Relator da reforma do Imposto de Renda no Senado, o senador Angelo Coronel diz que a matéria “é uma das peças mais horríveis que já tramitou no Congresso”. Para ele, “um projeto que não agrada quem paga e quem recebe tem que ser modificado na sua íntegra”. “Não vou fazer um relatório que não venha atender aos anseios do mercado produtivo”, disparou. Eleito pelo PSD baiano, Coronel diz torcer pela eleição do senador Otto Alencar ao governo em 2022 e que quer que “Wagner continue no Senado”. Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, ele diz ainda que “cercear os direitos dos partidos aliados de não ter candidatura própria é um erro”, numa crítica direta à articulação política do governo. Confira:
O senhor é relator da reforma do Imposto de Renda. Como avalia o projeto e a tramitação no Senado?
O projeto do Imposto de Renda, que é o 2337, foi enviado pelo Governo, entrou pela Câmara Federal, que fez algumas modificações, está no Senado, e eu fui designado relator. Mas eu confesso a você que talvez seja uma das peças mais horríveis que já se tramitou no Congresso Nacional. Por que horrível? Porque é um projeto que não agrada o pagador de impostos, que são os contribuintes, tanto pessoa física quanto jurídica, e também não agrada os recebedores, que são os entes federados, ou seja, estados, municípios. E também há uma frustração de receita por parte da União. Então um projeto que não agrada quem paga e quem recebe tem que ser modificado na sua íntegra para que possa, com isso, agradar os dois lados, ou seja, a pagador e o recebedor. Espero fazer um relatório, estou ouvindo contribuintes e entidades de classe do Brasil inteiro, fazendo reuniões em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, e em outros estados da federação, para que a gente possa sair daí com um texto bem abalizado, um texto que possa se tornar palatável para ser aprovado no Senado e depois ser enviado para a Câmara. Agora, como ele veio, eu digo francamente aos nossos leitores: é difícil ser aprovado, porque eu não vou fazer um relatório que não venha atender aos anseios do mercado produtivo.
Aonde está o gargalo para a aprovação do projeto, senador? O que vai ter que olhar com mais cuidado nesse seu relatório?
Tudo. Por que tudo? Porque você tem o primeiro item: a tabela de imposto de renda de pessoa física. Nós tivemos uma inflação acumulada do último reajuste da tabela de isenção para cá na ordem de 41%. Nós estamos vivendo uma inflação crescente. Tudo subindo nas prateleiras, gasolina subindo, água, energia, condomínio. E as faixas de isenções estão congeladas há vários anos, e com a inflação corroendo já na ordem de 41%. Então essa primeira parte do projeto 2337 reza sobre o imposto de renda de pessoa física. Eu vou suprimir esse artigo e vou protocolar um projeto autônomo, ou seja, um novo projeto só sobre o imposto de renda de pessoa física, com novas tabelas, para que a gente possa com isso minorar e melhorar o poder de compra do nosso contribuinte brasileiro. Principalmente aqueles que estão ganhando numa faixa de R$3 mil, R$3,5 mil para trás. Dos 32 milhões de contribuintes que temos no Brasil, nós vamos beneficiar em torno de 20 milhões de contribuintes que estão na faixa de ganho até R$3,5 mil. Nós temos realmente que atender aqueles que precisam melhorar sua condição de vida, e nada como deixá-los de fora do pagamento de imposto de pessoa física. Quanto à questão de pessoa jurídica, das empresas, tem vários itens que são tenebrosos. Um item, por exemplo, que é um dos mais criticados no Brasil inteiro é a questão da tributação do estoque de dividendos…
Era isso que eu ia perguntar… Essa tributação de lucros e dividendos é um problema do projeto atual?
É um problema do projeto atual. Porque as empresas, quando você vai apurar o lucro, e você pagou seus 34% de imposto, o que acontece? Você já pagou o imposto. A empresa tem dono, então o dono pagou o imposto de 34%. E agora o que o governo quer? Quer distribuir esses lucros acumulados até 31 de dezembro de 2021, ou seja, deste ano, e quando chegar em janeiro vai ter que pagar mais 15%. Então isso é uma bitributação que é inconcebível, isso aí só vai gerar um contencioso fiscal muito grande, e o Congresso não pode permitir isso. Então você simplesmente está querendo sacrificar aquele empresário que se utilizou dos lucros da empresa para ampliar a sua indústria, para aumentar a sua mão de obra, para modernizar a sua empresa, e você termina sendo penalizado por não ter distribuído os lucros e ter simplesmente reinvestido na sua empresa. Isso é um absurdo, isso é uma das coisas mais negativas do projeto se não for a maior.
Há muita resistência para aprovar esse projeto, senador? Quando vai ser colocada em votação?
Não é uma PEC, é um projeto de lei oriundo do Ministério da Economia. Esse projeto não tem data para ser aprovado. O que o governo quer é que ele seja aprovado pelo Senado e pela Câmara até o final desse exercício, até o final desse ano para que possa implantar já em 2022. Mas eu não vejo como aprovar esse projeto em virtude dessas disparidades grandes que tem nele. Fora essa questão de lucros e dividendos, também tem a questão de aumento do imposto para empresa de mineração, cortes de incentivos para medicamentos, para produtos hospitalares, ou seja, o projeto faz uma salada, literalmente, com muito vinagre que está aí com certeza deixando todas as empresas do Brasil em polvorosas, querendo que Deus nos ajude, que pegue esse projeto e arquive, engavete, porque ele não vem a atender nenhum segmento do mercado brasileiro.
Como o senhor viu a votação da PEC dos precatórios? E como viu a pressão do governador Rui Costa, que falava das perdas que a Bahia vai ter com essa votação?
Os precatórios, todos nós sabemos, que já teve sentença judicial, é uma dívida líquida e certa, que quem esperou ao longo dos anos para receber o seu dinheiro não quer mais prorrogar. Mas por outro lado, nós temos que pensar também que nós estamos com o programa Auxilio Brasil que substitui o Bolsa Família, que precisa de aproximadamente R$40 bilhões para implantar. O que tem na PEC também melhorou a situação de estados e municípios sobre a questão do Fundef, porque vai priorizar o pagamento do Fundef. E também vai priorizar na PEC, que foi modificada, a questão de pequenos precatórios, de deficientes, de pessoas com maior idade. Então houve algumas modificações. Dizer que ela é uma peça perfeita, eu não iria falar isso para os nossos amigos leitores do Jornal A TARDE. Ela é uma peça também eivada de vícios, mas, em relação ao texto original, já melhorou muito. E nós temos que pensar também na questão do Bolsa Família, que agora chama Auxilio Brasil, de quase 20 milhões de famílias que estão vivendo abaixo da linha da pobreza e que aguardam ansiosamente esses recursos para melhorar a sua subsistência. Então nós temos que pensar também nisso. Claro que estados e municípios ficam um pouco sentidos, não vou dizer revoltados, porque não vão receber os precatórios 100%. Mas pelo menos já se vai receber uma parte em 2022 e outra parte é parcelada. E para os municípios tem uma inclusão muito valorosa nessa PEC, que é a questão do parcelamento das dívidas do INSS por 240 meses que vem dando dor de cabeça e tem tirado o sono da maioria dos prefeitos brasileiros que têm na dívida do INSS o seu algoz na retirada da sua receita corrente líquida que pode investir no município e nos estados e que não está podendo fazer seus investimentos porque o INSS come uma grande parcela desses débitos consolidados de antigamente. Então na PEC contempla os municípios que vão ter os seus débitos de INSS prorrogados por 240 meses. Tem coisas ruins na PEC, mas também tem coisas boas. Nós temos que fazer a ponderação, colocar na balança e ver se as coisas boas superam as coisas negativas e com isso partir para resolver essa problemática.
Senador, o senhor é presidente da CPMI da Fake News. Veio a pandemia e a investigação parou. Quando vamos voltar a ter novidades?
A pandemia que eu chamo de pandemia das fake news, ou seja, a pandemia digital, ela foi parada no início da entrada da Covid-19. Nós vamos retomar no início do próximo ano, porque vamos entrar em recesso em dezembro, e se fossemos recomeçar agora, também daqui a um mês tinha que ser paralisada novamente. E para evitar esse negócio de paralisar, já que já tem 1 ano paralisada, vamos deixar para retomar no início de 2022, porque teremos ao longo do ano para apurar e investigar aqueles que, criminosamente, aqueles mau caráter que utilizam-se do anonimato para depreciar seus alvos, depreciar famílias, depreciar marcas, tentar mudar resultado de eleição. Então nós precisamos na verdade fazer uma força tarefa, não só no Brasil, mas a nível mundial, já que a fake news é um fenômeno degenerativo mundial, então nós precisamos ter essa cruzada em todo o planeta para debelar essa pandemia digital.
Há quem diga que as investigações contra as fake news pararam também por pressão do Planalto e do entorno do presidente. Até onde isso tem verdade?
Não é verdade, porque ela parou em virtude da pandemia da Covid-19, onde o Congresso Nacional deixou de ter sessões presenciais, as sessões passaram a ser remotas. Uma exceção de sessão mista foi a CPI da Covid-19, porque tratava-se de vidas sendo ceifadas por essa doença. Por isso que se abriu exceção, onde o Senado conseguiu uma infraestrutura para não ter contaminação, e mesmo assim todo o Brasil sabe que três senadores foram a óbito, e que isso deixou marcas profundas no coração de todos os senadores. Então não poderíamos jamais correr esse risco. Como o mundo parou e o Brasil faz parte do mundo, nós também paramos essa cruzada de investigação sobre quem pratica fake news, mas vamos retomar. Além do mais, aqueles que dizem que foi pressão do Planalto, não podemos atribuir que foi isso, tanto é que as eleições de 2018, que era um dos itens que estava sendo apurado pelas fake news, se o presidente atual usou do expediente de mensagens em massa para interferir no resultado das eleições, o próprio Tribunal Superior Eleitoral absolveu a chapa Bolsonaro-Mourão. Então para vocês verem que as fake news não poderiam fazer pré-julgamentos, porque até que se prove o contrário, todo cidadão é inocente. E pré-julgar é algo que não está na nossa cabeça.
Que avaliação o senhor faz do presidente e do governo Bolsonaro e que cenário o senhor desenha para a sucessão presidencial em 2022?
O governo Bolsonaro é um governo que está mal avaliado até por questões de tratamento com a própria imprensa, o tratamento muito descortês com adversários. Então tem essas partes negativas. Mas também não podemos deixar de considerar que tiveram alguns avanços no governo atual. Eu não sou parte do bloco de apoio ao governo, mas não posso deixar também de citar que tem os seus méritos. Eu não sou daquele que faço política com ranço, com raiva. Eu tenho que elogiar quem merece elogio, independentemente de eu ser partidário dele ou não. Mas as eleições estão aí por vir, daqui a pouco menos de 1 ano teremos eleições presidenciais, e o povo vai ter a oportunidade de escolher o novo presidente. Manter o atual ou escolher um novo. Vamos ter candidato para todos os gostos. E eu sempre torço para que cada partido lance os seus candidatos para dar a oportunidade do povo ter vários nomes para escolher. Eu sou contra esse negócio de BAVI. Eu acho que nós temos que dar oportunidade a todos os times da política entrarem em campo e o povo escolha, veja quem é melhor torcer, quem é melhor para governar o destino do país.
Que panorama o senhor faz sobre a próxima eleição na Bahia e quem será o candidato do governador à sua reeleição?
Quem está aí já com o nome posto é o senador Jaques Wagner, mas evidentemente eu torço também para que o meu partido PSD tenha candidatura própria. Eu sempre tenho dito que eu torço pela candidatura a governador do senador Otto Alencar, já que o ex-governador e atual senador Wagner é um bom companheiro de viagem às segundas-feiras, eu vou sentir muito se ele se eleger como governador, porque eu vou perder essa companhia durante 4 anos que nos restam. Por isso que eu torço pela eleição de Otto ao governo e que Wagner continue no Senado.
O senhor acredita que tem espaço para duas candidaturas governistas ou o governador vai conseguir construir um consenso e manter a base unida?
A eleição de dois turnos eu não vejo o porquê de tirar o direito de os outros partidos da base aliada de colocar os seus candidatos à aprovação da sociedade baiana. Eu acho que o PP, presidido pelo vice-governador João Leão, também deverá ter seu candidato próprio. Joao Leão é um grande nome, testado, aprovado, uma pessoa que trabalha, que conhece a Bahia, pode também deixar seu nome à disposição dos baianos, bem como o senador Otto Alencar, e os outros partidos, PCdoB, PSB, eu acho que todos devem ter candidaturas próprias. E no segundo turno, aquele que for mais aceito pela população, todos se unam e partam para votar nessa pessoa no segundo turno. Agora querer cercear os direitos dos demais partidos aliados de não ter candidatura própria, eu acho isso um erro.