O dia ainda estava nascendo quando os primeiros religiosos de candomblé começaram a chegar ao Parque da Pedra de Xangô, nesta quarta-feira (4). Por volta das 8h, um grupo de mulheres vestidas de branco fez uma roda ao lado do monumento e começaram a entoar cânticos africanos. Logos o som dos ataques e agogôs quebraram o silêncio e os movimentos dos corpos deram ritmo a inauguração do novo espaço.
O parque é um dos principais locais de fé do povo de santo baiano e estava passando por reforma. Ele recebeu uma nova estrutura com salas, espaços multiuso e banheiros e foi entregue nesta quarta.
O principal monumento é a Pedra de Xangô, um rochedo que tem 8 metros de altura e 30 de perímetro, e é considerado um patrimônio geológico reverenciado pelas nações de Ketu, Angola e Jeje, além de outros segmentos do candomblé. Nesta quarta, completa cinco anos que ela foi tombada pelo município como Patrimônio Cultural de Salvador.
O parque tem 67 mil m² e o investimento foi de cerca de R$ 8 milhões, mas para a candomblecista, pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba e represente do grupo de trabalho de implantação do Parque Pedra de Xangô, Maria Alice Pereira, a requalificação dessa área da cidade não tem tamanho e nem preço.
“A inauguração desse equipamento de apoio vai possibilitar segurança e a preservação desse lugar. A Pedra de Xangô é muito importante porque as religiões de matriz africana a consideram um altar sagrado, um lugar onde são realizados os rituais, e a maioria dos terreiros não possuí espaço para a realização dos seus rituais, e é aqui, nos parques, que eles vêm conectar com os sagrados e realizar os atos litúrgicos”, afirmou.
Ela é autora do livro “Pedra de Xangô: um lugar sagrado afro-brasileiro na cidade de Salvador” e contou que o povo de santo participou de todo o processo de concepção e construção. O acesso já está aberto ao público. A prefeitura informou que um dos objetivos do projeto foi valorizar a área ambiental e sagrada. O prefeito Bruno Reis começou o discurso fazendo uma saudação a Xangô, destacou a sustentabilidade do local e citou outras ações adotadas para a preservação das religiões de matriz africana.
“Nenhum governo, seja na minha gestão seja na gestão do ex-prefeito ACM Neto, valorizou tanto os aspectos históricos, culturais e religiosos do povo de santo. As religiões de matriz africana nunca tiveram tanto respeito nessa cidade como tem agora e esse parque é o símbolo maior disso, ele vem coroar tudo o que fizemos nos últimos anos, como o reconhecimento dos terreiros como templos religiosos, as isenções fiscais, os cadastramentos, tombamentos e parcerias para preservação da história”, disse.
Ele recebeu uma escultura de representantes do povo de santo como um agradecimento pela construção do parque. No local tem um espaço de convivência para relações culturais, sociais e religiosas que foi usado pelas Matriarcas de Cajazeiras para uma apresentação na inauguração. Há também sala multiuso, sanitários, memorial, anfiteatro, bancos e um espaço destinado à comercialização de comidas e artesanatos, além de paisagismo integrado às espécies de Mata Atlântica existentes no local.
Local de resistência
Antes, ela era conhecida como Pedra do Buraco da Onça, ficava escondida por um matagal e servia de esconderijo para negros escravizados que fugiam das fazendas que existam na região. A Área de Proteção Ambiental (APA) onde fica o monumento é de remanescentes de quilombos, do bioma Mata Atlântica e antigo aldeamento dos indígenas tupinambás.
Com o tempo, o rochedo passou a ser considerado sagrado para as religiões de matriz africana, com referência a Xangô, orixá da Justiça. Em 2005, a mata que ficava no entorno da pedra foi derrubada e ela seria implodida para dar passagem a uma avenida, houve protesto e, em 2016, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU/2016) garantiu a criação do parque com a finalidade de preservar a mata e a cultura.
A construção começou em 2020, com um projeto da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), mas foi atrasada pela pandemia. A presidente da instituição, Tânia Scofield, contou que o rochedo estava sofrendo avarias por conta da pista que foi construída ao lado da estrutura, a solução encontrada foi desviar a avenida para mais distante e usar um riacho e a mata atlântica como barreira de proteção para a pedra.
“Tivemos que adotar alguns cuidados, porque queríamos fazer um projeto sustentável. Trabalhamos com materiais como tijolo de barro, pedra natural, madeira e usamos nas paredes a taipa de pilão que é uma técnica milenar que usa apenas o barro. Cerca de 90% dos materiais usados no parque são naturais e sustentáveis”, contou.
Já o vereador André Fraga (PV), responsável pelo início do projeto, destacou que a construção do equipamento foi uma demanda da comunidade. “Na primeira visita que fizemos aqui a gente ainda não fazia ideia que ele poderia ficar tão bonito. Esse é o primeiro parque em homenagem a um orixá e é um absurdo que não tenha acontecido antes em uma cidade como Salvador, com essa herança e essa cultura”, disse.
Apesar dos esforços para a preservação do local, o povo de santo lembrou que a Pedra de Xangô foi alvo de ataques e vandalismo praticados por outros religiosos, como em dezembro de 2018, quando 100 kg de sal foram jogados no local por fieis pentecostais.
Estrada
A Avenida Assis Valente, que dá acesso ao parque, também estava passando por reforma e foi entregue no mesmo evento. Ela recebeu asfalto novo, sinalização e meio-fio, entre outras interferências.