Ser deputado da base não é ser subserviente. O recado é do deputado estadual Paulo Câmara (PSDB), para quem os governistas se calam diante do “escândalo produzido pelo governo da Bahia” durante a compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste. “Quanto custa esse silêncio?”, indaga. Nesta entrevista, também transmitida pela TV Alba (canal aberto 12.2 e 16 na Net), Câmara defende a “responsabilidade” do governo pelo aumento dos combustíveis, fala de seus projetos e faz uma crítica ao PSDB. “O partido perdeu muito nos últimos anos”.
A Assembleia Legislativa aprovou este ano dois projetos de sua autoria sobre transtornos de aprendizagem e dislexia. Qual o significado dessa conquista?
Esses projetos passaram a dar mais sentido ao meu mandato. Eu era um leigo no assunto. Quando fui procurado pela DislexBahia [Associação Baiana de Dislexia], descobri que quase 18 milhões de brasileiros são disléxicos. Na Bahia, de cinco a 17% da população. Com esses projetos, que são a [instituição da] Semana Estadual de Conscientização e Informação sobre a Dislexia e Transtornos de Aprendizagem e a adoção do laço azul e amarelo nos eventos relacionados ao tema, foi pra gente fazer uma pauta pública. E falta o quê? Treinar, capacitar e habilitar os professores e diretores das escolas a fazer o diagnóstico e o encaminhamento. Uma criança de sete anos que não sabe ler é porque tem dificuldade de compreender as letras. Mas são pessoas tão inteligentes ou mais do que nós.
É de sua autoria uma indicação ao governador Rui Costa para que se inclua na Lei Orçamentária Anual a previsão de recomposição inflacionária de 44%, calculada desde 2015, para os servidores públicos estaduais. Tem clima para aprovação?
E muito. O governo tem um caixa de quase R$ 5 bilhões. O índice da folha de pessoal é de 38%, bem abaixo do limite prudencial. O governo pode fazer o planejamento. O que acho inadmissível é o governo estar há seis anos sem nenhum aumento ou recomposição salarial. Que divida, dilua, mas comece a fazer. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado é competente para dizer se irá ou não fazer a recomposição. E se ele entender que não deve fazer, precisa informar na Lei Orçamentária Anual. Nas últimas seis leis, inclusive na que está na Casa neste momento, o governo não deu nenhuma justificativa, descumprindo até a decisão do STF.
O senhor tem pedido esclarecimentos ao governo sobre a compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste que, na sua avaliação, resultou em prejuízo de R$ 100 milhões para os estados que participaram do processo. O que há de novidade no caso?
Não é questão de novidade. O que vejo é o silêncio ensurdecedor por parte do governo. Essa ação foi feita aqui. O [ex-]secretário Bruno Dauster, que era o braço direito e o esquerdo do governador, foi o responsável por tocar esse projeto. Bruno Dauster se envolveu numa coisa que não era da sua competência. Ele era o chefe da Casa Civil. A Cristiana Prestes, empresária envolvida na denúncia, disse à polícia que o secretário quis estuprar o Estado, majorar o preço de 22 mil para 35 mil dólares. E quem foi o servidor do Estado que fez a nota técnica habilitando como séria e idôneaa empresa [Hempcare, que deixou de entregar respiradores comprados pelo Consórcio Nordeste]? Quem foi o servidor público que adulterou o parecer da Procuradoria-Geral do Estado? Eu quero esclarecimentos. O que temos é o silêncio desta Casa, como se fosse um anexo do governo. Ser deputado da base não é ser subserviente. Espero agora que, com o processo na mão do Ministério Público Federal, do Superior Tribunal de Justiça e a investigação da Polícia Federal, os culpados possam ser punidos.
Qual a dificuldade para discutir mais o assunto?
Para um requerimento de [criação de uma] CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] são necessárias 21 assinaturas. A oposição é composta por 16 deputados. Depende do conjunto dos deputados. Eu respeito e compreendo a posição de todos, mas se calar diante de um escândalo que foi produzido no governo da Bahia, isso não. Não dizer porque foram pagos R$ 100 milhões antecipados sem [receber] nenhum tipo de material, isso é irresponsabilidade. Quanto custa esse silêncio? O [ex-]secretário até hoje recebe quase R$ 13 mil da Bahiagás como conselheiro. Por que isso? E o silêncio é o que recebo do governo.
O senhor insiste em responsabilizar o governo estadual pelo aumento do preço dos combustíveis na Bahia, mesmo sendo contestado por deputados da situação. Com base em que defende essa posição?
Com base em dados, números e no Diário Oficial da União. Querer colocar a responsabilidade só no governo federal é uma irresponsabilidade do governo da Bahia. O governo federal e a Petrobras têm responsabilidade pelo aumento da gasolina, mas o governo da Bahia também. E provei com dados. Através do Confaz, Conselho Nacional de Política Fazendária, as secretarias da Fazenda se reúnem quinzenalmente e o preço médio ao consumidor final, que se chama preço de pauta, é determinado pelo estado que solicita. A gasolina era R$ 4,40 em janeiro de 2021. Em julho, R$ 6,06, a pedido da Secretaria da Fazendo da Bahia. Um aumento de 37% na base de cálculo do ICMS. O que o governo tenta dizer? Que não mexeu na alíquota, travada em 27%. Mas mexe no cálculo da base do ICMS. A Bahia, através da Secretaria da Fazenda, também é responsável por essa gasolina. Provei, apresentei os dados, e o que fizeram? Tentaram desconstruir a minha narrativa sem apontar os documentos que foram apresentados. Então, quem é o grande fakenews? Esse governo da propaganda enganosa.
O senhor tem sido um crítico do governo também em relação aos critérios adotados para a volta das aulas na rede estadual de ensino. O que faltou para que a volta se desse com mais agilidade?
Competência. Você acha que fico feliz em saber que a Bahia é o pior estado em educação? É um demérito. A Bahia ficou um ano e quatro meses sem um dia de aula. E você não vê ninguém falando? Porque o secretário da Educação é amigo pessoal do governo? Não se pode misturar educação com amizade. Tem que tratar com competência. Quero saber quem vai reparar esse prejuízo. É um desrespeito à Bahia e uma incongruência. Enquanto a Bahia é o pior estado em educação, é o campeão no índice de homicídios. Assim não dá.
O senhor faz uma série de críticas, mas existem ações do governo com as quais se vê alinhado?
Críticas construtivas. Jamais coloquei meu mandato pra fazer politicagem, nem pra obstruir o que seria coerente com minha vida pública. O governo tem acertos. Quando mandou a reforma da Previdência, fui o único deputado a subir pra defender. Quando do empréstimo de R$ 500 milhões para a Embasa, que estava saneada, tinha liquidez e podia captar o recurso para investimentos na Bahia, contou com o meu apoio. Projetos que são importantes para a Bahia têm o meu apoio irrestrito. Eu dei a sugestão, inclusive, ao vice-governador João Leão: quantos ativos o governo tem que podem ser leiloados para captar recursos? Tudo que for matéria de gestão e for importante terá o meu apoio. Não é porque sou contra o PT que não irei votar a favor.
O PSDB e o deputado Paulo Câmara já decidiram qual nome vão apoiar na corrida ao Palácio de Ondina em 2022?
Estou ao lado do pré-candidato ACM Neto. Um jovem que pode trazer resultados para o estado, porque precisamos resgatar a autoestima dos baianos. O atual governo tem acertos mas muito mais defeitos. Os índices da educação e da violência são os piores. Temos o maior número de desempregados do Brasil. O que esse governo fez pelo turismo? A Bahia virou a porta de entrada para o tráfico. E você vê o secretário da Segurança Pública dizer que o policial morre porque tem muito policial na rua. Que é bom trazer impostos para o narcotráfico. Nunca vi isso na minha vida. A Bahia precisa avançar muito mais.
O apoio a ACM Neto chega ao ponto de pleitear uma vaga na chapa?
Será uma decisão da executiva estadual. Envergadura moral e bons nomes nós temos. O ex-prefeito de Mata de São João, João Alberto; o deputado federal Adolfo Viana, o [deputado estadual] Tiago Correia, que, inclusive, já trabalhou com ACM Neto na Limpurb. Nomes qualificados e preparados. Se o ex-prefeito assim entender, temos bons nomes para apresentar.
O PSDB oficializou quatro pré-candidatos à presidência para disputar as prévias do partido: os governadores João Doria e Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. O PSDB caminha para um racha?
O partido está fazendo uma limpeza interna. Não é retirada de deputados ou senadores. É a gente se autoconhecer. O PSDB perdeu muito nos últimos anos. Era o partido da credibilidade, da ascensão. Mas em 2018 tivemos o pior resultado. E esse debate interno tem que ser feito para que possamos conseguir um objetivo comum. A roupa suja tem que ser lavada. Se haverá um racha? Espero que não.
Por que o PSDB chegou a essa situação?
Por falta de posicionamento. O PSDB se perdeu um pouco de 2014 pra cá, por não compreender o que o seu eleitorado queria, por ter posições contrárias ao que sempre pregou. Agora, precisa colocar a sandália da humildade, ver os erros que foram cometidos e fazer a depuração interna. Voltar ao PSDB que tinha respeito e credibilidade. E as prévias são a melhor forma de você realmente depurar o partido e ver quem pode chegar lá.
Enquanto o PSDB procura definir um candidato à presidência, ACM Neto dá sinais de que deve apoiar um candidato próprio. É uma incoerência, na medida em que ele terá o apoio do PSDB para o governo do estado?
Depende. O futuro a Deus pertence. Se o [candidato a] presidente for o Dória, o Eduardo Leite, o Arthur Virgílio, por que não pode ser o candidato de ACM Neto? Hoje pode não ser bom para ele, mas a política é dinâmica. Como vamos chegar ao final do ano? Tanta confusão nacional, fusões e migrações partidárias. Esse estágio é para ser debatido. Ainda não é hora de definir quem será o meu candidato a presidente. Mas se o PSDB tiver um candidato, tenho certeza que será um bom nome para o Brasil.
Os presidenciáveis tucanos não apresentam bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto. O que é preciso para uma virada de chave?
Tem que ter o convencimento. Se os candidatos têm rejeição, compete a eles convencer o eleitor. Eu sempre fiz essa crítica ao partido. Não adianta dizer que quer ser candidato se não diminuir a rejeição. A sigla hoje não ficou muito desejável. Então, com as prévias, dever de casa do PSDB: convencer a população de que é o partido de outrora. Se vai conseguir, aí é outra história.