Murais estão sendo confeccionados no Barbalho e em Pirajá
Quem passa diariamente pelas ruas São José, no Barbalho, e Oito de Novembro, em Pirajá, se acostumou com os muros cinzentos que cercam a pista. Nas últimas duas semanas, porém, esse cenário começou a mudar: agora, as paredes ganharam as cores e rostos que marcaram a luta pela independência da Bahia em 1822.
As obras são fruto de uma edição especial do projeto Movimento Urbano de Arte Livre (Mural) em parceria com a Fundação Gregório de Mattos e a Prefeitura Municipal de Salvador, em homenagem ao 2 de Julho. Ao todo, são 11 artistas e dez trabalhos.
Nas paredes, rostos como o de Maria Quitéria, Maria Felipa e as Caretas do Mingau de Saubara despertam a animação dos moradores. “É uma obra de arte”, diziam duas senhoras que passavam pela rua do Barbalho. Menos de uma hora depois, outra mulher que passava de bicicleta exclamou: “já era hora de botar uma vida nesse muro feio!”.
Dar vida ao muro com referências históricas tão importantes, trazendo os rostos de quem tornou a independência real, era mesmo a intenção. Quem contou foi Vanessa Vieira, produtora responsável pelos paineis do 2 de Julho.
“A gente realmente queria trazer essa representação do povo e das figuras tão grandes nessa data tão simbólica para a nossa Bahia e nosso Brasil. As pessoas precisam dessa oportunidade de ter acesso à arte, de serem tocadas e sensibilizadas. E esse é o espaço mais democrático que existe: a rua, onde todos os públicos podem ter acesso”, disse.
Presidente da FGM, Fernando Guerreiro contou que a ideia surgiu do objetivo da Fundação de tornar Salvador uma galeria a céu aberto. “Nós já fizemos no Comércio, inclusive com esculturas, e este ano pensamos: ‘o percurso do 2 de Julho é tão interessante, por que não chamar esses artistas?’. É a possibilidade da arte chegar ao povo sem aviso e de dar visibilidade a esses grandes muralistas”.
A escolha dos lugares foi estratégica. Enquanto o Barbalho faz parte do trajeto do desfile de 2 de Julho, Pirajá foi palco da batalha que leva o nome do bairro, acontecida em 8 de novembro de 1822 após tentativa de Portugal de desmontar cerco brasileiro.
O projeto mescla artistas com anos de carreira e aqueles que estão começando, sem um padrão de técnica. Entre as mais novas, estão Isabela Seifarth e Ludimila Lima, que se uniram para confeccionar um mural de 16 metros na rua São José. Isabela pesquisa o universo das tradições da Bahia e do recôncavo baiano. Já Ludimila é aquarelista e se inspira em seus ancestrais nas obras. Juntas, as duas uniram seus estilos num retrato focado nas mulheres do 2 de Julho.
“É extremamente significativo fazer parte desse projeto, porque essa é uma celebração cívica e extremamente política. Até o processo tem sido importante, porque as pessoas passam e olham curiosas, as crianças do bairro pedem pra ajudar na pintura e ficam super felizes”, contou Isabela.
Próximo a elas, chama atenção a pintura de uma mulher empunhando uma bandeira da Bahia. O artista fazendo os últimos ajustes é o veterano Anderson Santos, retocando a sua “Ode ao 2 de Julho”. Acostumado a pintar telas e expor em galerias, ele viu seu quadro tomar dimensões muito maiores durante as duas últimas semanas. No caso de Anderson, toda a obra no muro foi customizada com tinta de piso.
“Para mim, é uma alegria estar na cidade de um modo diferente. Porque eu me comunico dessa vez com mais gente, as pessoas sentem diferente o trabalho assim. O público de uma obra pública que está na rua é muito maior do que aquele que está habituado a entrar em uma exposição. A cidade se ilumina na festa de 2 de Julho com a passagem do Caboclo e a Cabocla. É a liberdade da Bahia e do Brasil também, é a nossa festa da Independência real”, disse.
Enquanto alguns usam pincéis, o instrumento de outros artistas do mural é o spray. É o caso de Mônica Reis, uma das artistas pioneiras do graffiti feminino na Bahia. Quando começou a trabalhar com graffiti, em 2005, não havia mulheres na cena baiana e os homens repetiam que o lugar delas não era ali. Ela quis provar o contrário. Agora, traça seu próprio vanguardismo ao das três figuras simbólicas que retrata na parede, mulheres que lutaram pela libertação: Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa.
Para Mônica, ocupar as ruas com essas histórias é, ao mesmo tempo, um movimento de representatividade e de aprendizado. “São mulheres que sofreram, passaram por todo tipo de situação, com dor e sangue. Assim, a gente mostra a força que elas tiveram e que nós temos também, porque hoje estamos aqui contando essa história. E essa arte estar aqui vai facilitar que as pessoas tenham curiosidade e procurem saber, como eu mesma procurei também”, disse.
Completam o time participante do projeto os artistas Lee27, Rildo Foge, Tarcio V, Chany Duscio, Pipino, Samuca Santos e Uillian Novaes.