Você já foi ao subsolo do Mercado Modelo, nega? Não? Então vá! A paródia de uma das canções mais famosas de Caymmi deve correr de boca em boca após a conclusão da restauração do Mercado Modelo, anunciada nesta quinta-feira (17), ou ao menos essa é a expectativa da prefeitura. O subsolo é um dos pontos mais emblemáticos do edifício, uma construção de 1861, e será transformado em um museu para contar a história do local.
Em 2019, ainda na gestão do prefeito ACM Neto, foi anunciado que um projeto estava sendo desenvolvido para restaurar o prédio onde funciona o Mercado Modelo. A pandemia atrasou os planos, mas, nesta quinta-feira, o prefeito Bruno Reis assinou a ordem de serviço para o início das obras. O investimento será de cerca de R$ 12 milhões e a previsão de conclusão é de um ano.
“É uma obra importantíssima para a nossa cidade em um momento de retomada econômica. O Mercado Modelo é um símbolo e um ícone da nossa cidade. Esse equipamento tem a capacidade de atrair, primeiros nós, soteropolitanos, e milhares de turistas do Brasil e do mundo. São mais de 110 anos de história e essa será a maior intervenção que esse espaço vai receber. Vamos restaurar, preservar a história e trazer um tom de modernidade”, afirmou.
O Mercado Modelo de Salvador, espaço para compra e venda de produtos, foi criado em 1912 e funcionava em outro prédio do Comércio, mas depois de sofrer quatro incêndios (1917, 1922, 1943 e 1969) foi transferido, em 1971, para o atual edifício, uma construção de 1861. O prédio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 1966, por isso, as alterações não podem descaracterizar a estrutura.
Projeto
A presidente da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), Tânia Scofield, responsável pelo projeto, frisou que o objetivo é apenas restaurar o espaço. A fachada será preservada, com o amarelo original das paredes, e as principais mudanças ocorrerão no interior.
“Vamos garantir a qualidade de uso desse equipamento, reformando toda a parte elétrica, que hoje é um emaranhado de fios. Está sendo criada uma subestação específica para o Mercado, o projeto de incêndio, mais acessibilidade e banheiros para o público e para os permissionários que trabalham nesse local”, disse.
Porém, a principal novidade é a reabertura do subsolo, espaço que está fechado para o público há mais de dez anos e é envolvido em muitos folclores. Uma escada estreita leva até o interior de teto baixo, com arcadas e de iluminação fraca. O chão é formado por passarelas que são interligadas por córregos, alimentados pelo vai e vem das marés na Baía de Todos os Santos. Quando a maré sobe o espaço é inundado.
As galerias repletas de sombras e contrastes dão um tom misterioso ao lugar, que será transformado em um museu. A presidente da Fundação explicou que a umidade não permite a instalação de peças de arte no local, mas que encontrou uma solução. “Vamos recuperar o subsolo e fazer um museu usando tecnologia. Será um espaço de vidros, climatizado, para que as pessoas possam aproveitar a visita com conforto”, disse Tânia.
O Mercado terá uma sala de reunião com capacidade para 14 pessoas, salas da Guarda Municipal e da Brigada de Incêndio. Depósito de material de limpeza, palco para apresentações culturais de menor porte e posto de informações para os visitantes. O projeto levou em consideração também a sustentabilidade.
O historiador e especialista em História do Patrimônio Manoel Passos conta que existem muitos mitos sobre o prédio. “É um edifício neoclássico, construído para servir como terceira casa de alfândega. A conversa de que o subsolo abrigava escravos é folclore. O espaço era usado para atividades da alfândega. Existia uma ponte por onde os produtos eram desembarcados e essa foi a finalidade dele por muitos anos, até abrigar as lojas que vemos hoje. Essa mudança aconteceu em 1971”, contou.
Conflitos
Atualmente, 263 permissionários atuam no local e a restauração envolveu longas conversas da prefeitura com os trabalhadores. A presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado Modelo (Ascomm), Analu Garrido, contou que um dos pontos mais debatidos foi a redivisão do espaço dos boxes.
“No projeto original, algumas lojas iriam reduzir o tamanho e tinha um número grande banheiros, o que prejudicava alguns lojistas. Isso foi flexibilizado pela Fundação e chegamos a um consenso. Tivemos perdas, mas também tivemos ganhos. Foi preciso flexibilização das duas partes. Tenho certeza que o resultado será ótimo”, contou.
Ela é permissionária há 25 anos no local, mas a família dela trabalha há 70 anos no Mercado. Outro empasse foi sobre a logística que seria adotada durante as obras. A proposta inicial era montar três tendas no entorno do prédio e transferir todos os lojistas enquanto durasse as obras, mas alguns deles tinham medo de não conseguir voltar.
A solução sugerida pela vice-prefeita, Ana Paula Matos, foi dividir a obra em duas etapas, transferir 50% deles para uma tenda e manter os outros 50% dentro do Mercado. E depois, fazer a inversão. Para o casal de turistas paulistanos Rafael Bianchi e Ana Maria Feitosa a possibilidade de manter o espaço aberto, mesmo com metade da área em obras, é uma vantagem para os visitantes.
“A gente consegue ao menos visualizar o interior do prédio. Não será a mesma sensação se ele estivesse 100% em atividade, mas podemos ter uma noção de como é o Mercado Modelo por dentro. Quem sabe a gente retorna, ano que vem, par ver o resultado”, prometeu Rafael.
A recuperação do equipamento integra o pacote municipal de ações e obras em celebração ao aniversário de Salvador, que completa 473 anos no próximo dia 29 de março.
Confira mitos e verdades sobre o Mercado Modelo:
- A rainha da Inglaterra já visitou o Mercado Modelo
Verdadeiro. Elizabeth II e o príncipe Philipe estiveram em Salvador, em 1968, e visitaram o local. Outras personalidades como o escritor baiano Jorge Amado, a filósofa francesa Simone de Beavouir e o poeta chileno Pablo Neruda também já passearam pelo Mercado. - O prédio foi construído para abrigar lojas
Falso. O prédio onde funciona atualmente o Mercado Modelo foi construído em estilo neoclássico, entre 1860 e 1861, e serviu durante décadas como uma alfândega. - O subsolo era onde os negos escravizados ficavam retidos
Falso. A Lei Eusébio de Queiroz, aprovada em 1850, portanto 11 anos antes do prédio ser inaugurado, já proibia o tráfico negreiro. O contrabando também não tinha acesso ao edifício que era uma alfândega. - Um incêndio já destruiu o prédio
Verdadeiro. O antigo Mercado Modelo sofreu quatro incêndios antes de ser demolido e o atual também foi danificado pelo fogo, em 1984. - O prédio é tombado
Verdadeiro. Em outubro de 1966, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) registrou o Mercado Modelo como patrimônio imaterial.